quarta-feira, 18 de novembro de 2015

24/09


Hoje no trânsito, um calor dos infernos, passei por um daqueles relógios públicos numa rua qualquer e foi quando me toquei da data: 24/09. Há 9 anos não esqueço desta data. Há 9 anos ganhei um daqueles presentes sem porque da vida, uma amizade adolescente despretensiosa, a promessa de uma eternidade que passou com o tempo. Lembrei do convívio, da paixão inibida pelas brincadeiras de colegas de escola, do fone de ouvido compartilhando o som do Forfun no fundo da sala. Os fones que ligavam minha cabeça no teu ombro, as histórias, a ansiedade, o drama e a paixão da adolescência. Lembro como se fosse ontem. Quão bonitos fomos, que ligação sincera! E pensando nos anos que fomos melhores amigos querendo ser amantes, pensei em como a vida nos leva por caminhos inimagináveis. É tudo surpreendentemente louco, diferentemente das noites atuais em que o amanhecer parece o mesmo, presos nessa rotina desgastante dos 20 e poucos anos. Hoje, outro dia 24/09, não faço ideia de quem você seja. Será que ainda gosta de esmalte vermelho? Será que ouve "Costa verde" e lembra de mim também? Será que ainda abraça forte e apertado? Ainda é inseguro? Será que guarda no peito o carinho que me dedicava? Dentre todas as possibilidades, a única certeza que queria ter é de que você tá feliz. Os anos arranjam desencontros, as pernas perdem os passos, o corpo cria outro ritmo, a cabeça e o coração esquecem pequenas alegrias. Mas não esqueço de você. Ano passado encontrei teu número num celular antigo - pura sorte do destino - e nos falamos rapidamente em um outro 24, foi quando me disse que não esquece do meu 25 de maio e me chamou de neguinha como de costume. Meu coração transbordou amor e saudade. Nos guardamos nas mil lembranças e realidades, é um carinho e respeito admiráveis. Quando chega a primavera meu peito floresce, é uma árvore de sentimentalidades infantis. Sou levada pros meus 16 espontaneamente, a alma já espera por isso, precisa disso. Me lembro da menina nerd, cheia de sonhos, expectativas, com desejo de liberdade, com medo de sentir saudade, de largar a escola e ser engolida pelo mundo sem deixar rastros. Me lembro da minha força, da minha essência, da garra e da postura rebelde. Acendo um cigarro e concluo: minhas lembranças são minha fortaleza. Meus caminhos conduzem um encontro de uma pessoa só: eu comigo mesma. Egoísta que sou, tomei pra mim o teu dia, fiz dele um baú de relíquias de bons momentos e sensações maravilhosas, fiz dele um álbum de primeiras vezes, meus inícios que terminam a meia-noite do dia 25. Espero que um acaso da vida nos leve a um encontro de dois pra falarmos sobre o tempo em que ficamos perdidos pelos labirintos que traçamos. Um brinde às suas primaveras! Tim Tim.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Desistência


A gente tinha brigado, - a gente sempre brigou, por motivos idiotas ou sérios e até mesmo sem motivos - não nos falávamos há algum tempo e a saudade das nossas bobagens já arranhava no meu peito. Numa noite dessas, com vontade de ouvir sua voz, sonhei com a nossa viagem dos sonhos e foi lindo: o mar, a brisa que esvoaçava meu cabelo, o sol que intensificava o verde dos seus olhos, o amor que nos edificava e entoava as gargalhadas... Acordei. Como de costume na minha rotina sem horários, já era fim de tarde, tinha alguma música rolando no fundo da minha típica crise de ansiedade da tpm, pego o celular e tá lá seu nome na tela, notificado em uma ligação e uma mensagem. Tremi. Senti medo, aquela leve vertigem que ataca por 3 segundos quando o inesperado acontece, a arritmia que deixa as mãos trêmulas e os olhos vidrados na tela com os polegares dançando na frente dela enquanto a cabeça nem sabe o que pensar. Era você ali no celular, era você fora do sonho, era você querendo ajuda com uma formalidade do trabalho, era você impessoal, receosa de que minha raiva pelo último bate boca impedisse que eu me disponibilizasse. Por mais que o mundo gritasse "NÃO, que se vire!", a minha saudade foi impiedosa, tomou as rédias, e respondeu displicentemente "ok". Eu não sei bem quando, no meio da conversa, essa afirmativa me levou pra sua casa e me jogou no teu abraço. A vida só precisa de um "sim" pra acontecer. Por alguma razão meu corpo repele o não quando lembra de todo o riso e renuncia os vários prantos, a minha boca escancarada num prazer masoquista sibila mil "sins" quando o assunto é você, e então você acontece, sua buzina ecoa no portão e mais uma vez pego carona de volta pra tua cama. É como mágica, feitiçaria, é um encanto que materializa a alegria no meu mundo mesmo no meio da nossa confusão. Nós a sós somos nós, embaraço, mãos, pernas e peitos entrelaçados, somos abraço, retrocesso, atrasamos o futuro com os laços do passado, tendo o presente como intermediário de duas cabeças que não sabem lidar com seus corações. Somos desavença e perdão, pontapé e abraço, carinho e decepção. Nossa foto deveria estampar a palavra "controvérsia" no dicionário, bem como estar ao lado de "cumplicidade". Sempre fomos significado, nunca insignificantes. Muda o mês, vira o ano, vem verão, chega o frio, corto o cabelo, preencho vazios, mas teu canto tá sempre aqui, - ou teria você por todos os cantos? - os teus sins moram aqui dentro esperando a hora de escaparem num sôfrego ímpeto que a tua falta me causa. Já nem procuro racionalizar, entreguei pra deus esse amor que não pude segurar nas mãos. Não luto mais contra minha vontade de te ter por perto, por dentro e por cima, não tenho mais armas, nem orgulho nem raiva nem você. Eu te quero, mas não agora, não desse jeito, não com meu mundo estraçalhado, não com a vida me tomando por inteiro. Um dia, quem sabe, a gente se ajeita, recomeça nossa história, reinventa nosso lar, um dia, a gente, sei lá, a gente se RE. A gente se reencontra com a cabeça diferente e o coração no mesmo lugar.

terça-feira, 30 de junho de 2015

Do sol ao inferno


Você mal sabe pequena, que falta me faz por entre as cobertas nesse frio de junho, a tua presença morena. E quando pela manhã me fazia um café adoçado com teus beijos e esquentava por dentro meu corpo inteiro... Era um convite pra amar. E eu amava. Perdida em teus braços perdia a hora por ter perdido a roupa. Sinto falta das nossas manhãs de inverno, aquelas de antes da nossa vida virar inferno e por si só acalentar o ódio em nossos pobres corações. Sinto falta do teu cheiro, do teu toque no meu cabelo, que tomava outros rumos e passeava por meu corpo entregue ali na tua cama, completamente ao teu dispor. E cá estamos, inverno outra vez, janelas trancadas, mil cobertores espalhados, mas não tenho teu corpo, saí da tua casa. Abri mão do nosso lar pra não acabar de vez com o meu carinho e nossas boas lembranças, pra descobrir sozinha o efeito das estações no meu coração, que por mais clichê que seja, tá congelado desde aquela primavera em que desistimos da nossa história e eu fui embora decidida a te esquecer.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Nu


  A nudez é o reflexo da verdade. Expor a carne, suas formas, seus defeitos e segredos? Nunca! Prendam-na! É atentado ao pudor! E eu pergunto: que pudor? As pessoas se escandalizam com um corpo nu que dirá com uma alma.
  Coloca um casaco, tá frio. Tira o sentimento, tá esquentando. Esses shorts não estão muito curtos? Essa desculpa não tá muito esfarrapada? Qual o tamanho da sua verdade? Até que ponto cê (en)cobre a alma?
  Com que roupa eu vou? Vestindo um sorriso, no decote levo malícia, na calcinha há maldade. Não, tá vulgar. O que vão pensar? Quanto mais carne mostro, menos alma hão de ver. Se minha nudez faz arder tua retina, espero que queime até enxergar.
  Se abro o peito sou ridícula, se abro as pernas uma puta. Bom mesmo é ser fingida, cobrir-me inteira assim bem pura, debruçada na janela com um olhar profundo e lânguido tal qual Julieta a esperar por seu Romeu.
  Todo diário tem uma chave, todo corpo guarda um espírito, cada espírito um segredo. Meu diário é escrito em libras, tenha tato para ler. Cada linha à sua maneira: não se afobe, molhe os dedos, sinta a textura do traço, o cheiro das páginas. Vire-as com a certeza de que não pulou nenhuma frase, vocifere minhas palavras, realize minhas vontades.
  Saboreie cada dia, fique atento a cada ato. O dia de hoje tá em branco: e aí, tu é um homem ou um rato? Escreve comigo ou cala meus lábios? Calma, pensa melhor, não precipite a resposta porque sou quase uma esfinge, te dou três chances. Fique logo sabendo que sou impiedosa, tô louca pra te ver errar três vezes só pra comer você de costas.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Forever alone


  Às vezes voltar à estaca zero é necessário pra continuar. O passado já não me interessa e meus olhos já não enxergam nada aquém. A cabeça já não permite o retrocesso e coração endureceu com a realidade. Somos o que podemos apesar de por vezes desejarmos o impossível. Sonhar não custa nada, mas estressa. A vida é uma grande expectativa que acaba em morte e morremos aos poucos diariamente, seja de amor, de ódio ou decepção. Diante disso só me resta concluir que alegria é entorpecente pra otimistas continuarem a ter esperança. Quando enfim os olhos se cerrarem definitivamente não haverá mais razão pra ter sido. Será que sempre há de ter uma razão pra tudo? No meu escuro, não há motivo aparente pro meu silêncio ou pra minha falta de fé. Na minha lucidez -falsa? - há amargura por ter entregue a armadura. Baixar a guarda causa dor e por isso bebo pra anestesiar minha sinestesia. A felicidade do pessimista tá dentro de uma garrafa de vodca. Engulo.
  Mil olhos me reprovarão quando por mil bocas me virem passar. No meu estado mais ebriamente sagaz os outros passam efêmeros, sorrindo pateticamente de canto com o cigarro preso entre os lábios, fingindo sentir um prazer na verdade inexistente. E permaneço sozinha. Ilusão é acreditar que não estamos sós quando somos todos náufragos dum mundo hipócrita que quer nos convencer a qualquer custo que vale a pena estar aqui, que vale a pena estar aí, que vale a duras penas se doar e abertamente sentir. Que vale a pena continuar buscando o que nem se sabe o quê só pra se achar importante, que de alguma maneira somos essenciais. Não somos. Na verdade ninguém se importa com seus bons costumes, sua benevolência, com sua campanha anual pra arrecadar comida pros mais fodidos que você no natal, só você se importa. Altruísmo é utopia de gente cega.
  No fim, a vida é a conta do bar duma mesa grande: a gente se empolga no começo, pede todo o cardápio, ri a toa de todos e pra todos sem preocupação alguma. Com o passar do tempo as pessoas vão se levantando, indo embora... Algumas deixam um trocado, outras não. Até que você se encontra sem juízo largado numa mesa com mil cadeiras vazias e uma conta cara demais pro seu bolso. Só que na vida não tem como pagar lavando pratos, na vida a gente paga enxugando as próprias lágrimas. Sempre sozinhos.

domingo, 26 de abril de 2015

Desce outra!


Preciso de um porre de amor ou de cachaça que me faça cambalear, pisar em falso, cair, errar o passo, mas que não deixe gosto amargo nem dê dor de cabeça.
Preciso de um porre de amor ou de cachaça que complique minha cabeça e bagunce o coração, mas que deixe a alma calma e os braços livres pra envolver num abraço o resto do mundo em que me acho.
Preciso de um porre de amor ou de cachaça que transcenda minha mente, que me faça soluçar e querer deitar entregue num colo acolhedor.
Preciso de um porre de amor ou de cachaça pra me perder por entre as ruas cantando alto os versos do Hélio sem me importar com olhares alheios, preu me largar por aí sem freio por ter encontrado em alguém ou no fundo do copo um combustível pra me queimar.
Preciso de um porre, apenas porre, porque no fim das contas amor e cachaça são sinônimos: a gente toma aos poucos e quando percebe tá entregue aos quatro ventos, indolor, entorpecido, desnorteado, subindo na mesa, falando merda com o coração na mão e um desejo enorme de que o momento não acabe. Mas acaba. E nenhum porre é igual ao outro. Viremos então a próxima dose! Garçom, reabre a comanda por favor que eu não tenho medo de ressaca.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Oração sem sujeito


  Abrir uma porta pra sair, fechar outras pra ninguém entrar. Limpar o quarto, fazer a cama, abrir a cortina, mudar o tom. Quantos verbos são precisos pra recomeçar? Quantos morrem na garganta por medo do efeito da causa? Morremos em verbos enquanto adjetivamos o coração.
  É tudo uma questão de gramática: usamos a sintaxe pra compreender a semântica, quando por vezes não há o que ser entendido. A semântica do ser é uma frase sinestésica e as metáforas que invento são desculpas pra não usar da sinceridade.
  Substituo o meu inteiro por uma fração indecifrável tentando justificar com metonímia o meu medo de uma nova entrega. É que em tempos de jogos ser objeto direto é perigoso, os outros preferem indiretas, preposições, obstáculos. Simplesmente não estou disposta a ler entrelinhas. Eu leio o abraço, os olhares e seus lábios quando estão junto aos meus. Leio a mão na cintura, a risada sincera depois da piada, o cheiro no cabelo que vai descendo pelo pescoço.
  A partir daí vou escrevendo mil histórias, nenhuma ainda com final, nenhuma ainda realmente feliz. Mas não paro de ler nunca,vou trocando de livro até que algum me faça passar da página dez, até que algum me renda horas de inspiração e frio na barriga, até que palavras doces escapem do meu punho e se estendam em beijos intermináveis.
  Pois bem! Decidi destrancar a alma e parar de engolir verbos. A quem interessar possa: entre sem bater, só traga cerveja, cigarro e sorrisos. Venha com bondade, não repara a bagunça! Me deixe com vontade. Pode deitar na cama, não precisa dizer que me ama, só precisa me querer de verdade, sem culpa, desculpas ou receio. Relaxa aí, te faço um café. Eu sou assim mesmo, tem medo não! Uma hora cê pega o jeito e eu largo a mesa pra comer na tua mão.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Esse dia quatro não é sobre você


De uma maneira displicente e invulgar fui me dando a outros como tentativa de fuga de mim mesma. Por entre tragos de bebida e cigarro, esbarrei em lembranças suas e me pus em lágrimas. Mas naquela segunda feira ao invés de digerir mágoas, devorei um livro, o primeiro de muitos que lerei sem comentar contigo as sensações que me despertam. Há tempos que não choro. Não por falta de motivo, mas por força de vontade. Recorri a velhos hábitos, como preencher a pulso firme e descoordenado essa folha em branco com minha caligrafia destreinada, quase infantil, tal qual minhas atitudes nos últimos meses. Foi então que me peguei na antevéspera do dia quatro, perdida no que poderíamos ter sido ao invés de procurar por palavras doces que descrevessem as sentimentalidades virtuosas que nos mantinham unidas - na tentativa de justificar o meu amor - como nos anos anteriores. E como uma epifania, meu peito reteve  o ar dos pulmões impregnados de fumaça densa e dissolveu as ataduras do meu coração. Vi ali minhas feridas expostas, sangrando, pulsando ódio e saudade, vi minh'alma frágil, sem pudor, quase virginal, nua, exceto pelo manto de medo que imperceptivelmente a envolvia. Observei os curativos e a armadura largados ao lado do meu corpo modificado pela tua ausência. Percebi minha fraqueza e notei em meus olhos refletidos no espelho uma humanidade jamais presente. Minhas feridas recentes, abertas, causadas pela tua compostura cruelmente infantil, abriram espaço pra um releitura profunda de quem sou e de quem quero me tornar. Tua passionalidade irresponsável rasgou meu eu em mil pedaços e juntou num mosaico abstrato as partes de mim que havia esquecido. O tempo não cura, mas ameniza a insanidade de amar demais. Eu ainda sangro, mas me libertei das ataduras que impediam de cicatrizar. Por vezes a saída pra dor do amor é se expor pra se enxergar. Se enxergar como indivíduo, refazer a matemática pra concluir que a gente pode ser mais uma vez um só. Ser um inteiro é melhor que ser dois fracionados. Para o próximo amor já aprendi a lição: não me doar a ponto de me esquecer, mas amar imensamente buscando agregar. Nesse quase aniversário de um namoro que morreu na praia, não te mandei mensagem nostálgica nem me afoguei em tristeza ou cachaça, me dei o melhor presente de todos: reatei comigo mesma.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Quarta de cinzas no meu quarto


é não se concentrar num livro, se viciar em redes sociais na esperança de que alguma informação chegue até a pessoa. é assistir um filme e notar que a mente tá longe, lá naqueles dias de frio com brigadeiro, abraço e beijo. é fumar desesperadamente pra que as horas passem mais rápido, pro dia ficar mais leve, a cabeça mais tonta, o coração mais sereno. é querer com todas as forças um copo de algo que não faça bem, de veneno ou de cachaça. é querer carnaval o ano inteiro pra não ter que lidar com as cinzas das próximas quartas, quintas ou segundas. é procurar em qualquer um algum tipo de afinidade pra ver se a merda do pensamento se ocupa com outro alguém. é ouvir sua buzina lá fora me convidando pra jantar e rapidamente lembrar que teu peugeout preto nunca mais vai estar na frente do portão. é arrotar solitude quando na verdade engoli solidão. é me desgraçar a cada dia pensando no que você possa estar fazendo e com quem. a saudade é essa agonia filha da puta que corrói cada parte do meu corpo e inebria o peito de desgosto e de desesperança. a saudade é essa preguiça de dividir esse texto em parágrafos e começar as frases com maiúsculas, correndo contra o tempo pra não perder a lembrança e esvair o sentimento. o carnaval acabou, esse amor não passou e a saudade ficou. queria eu poder ser foliã o ano inteiro pra conseguir esquecer o furdunço do meu coração.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Você não soube me amar


Desse meu jeito meio torto, louco e descompassado: amei. Amei você e sua bagagem. Acolhi suas mágoas, inseguranças, criancices. Amei teus insultos, as desconfianças, as bobagens e tudo o mais. Te coloquei no colo, pedi calma baixinho, calei sua voz gritando, peitei as confusões do teu peito. Anulei minhas vontades, inibi vaidades, engoli tuas verdades, rasguei minha garganta. Sustentei o choro, respondi com socos, esperneei minha amargura trancada. Se bem me conheço, como diria Nando Reis "eu não vou mais chorar, fiz o que pude". E o coração que era teu, fez-se ateu.
Você não soube me amar.
Com teu jeito sempre manso, pisou devagar no meu pranto e julgou inválido todo o meu (bem) querer. Com teu sofrimento romântico e a cabeça às avessas com meu espírito liberto, fechou os olhos pro meu lado doce sutil. Apontou pra mim sua metralhadora cheia de mágoas e atirou no nosso amor. Sem dó e com rancor.
Você não soube me amar.
Bem sei que não sou santa, pelo contrário. Meu maior pecado foi o orgulho que impediu que a fragilidade dessas linhas e de outras tantas fossem resguardadas em minh'alma sufocada e muda. Não sei falar, nunca soube. Você bem sabe. E no meio de tanta gente, e por entre garrafas, na respiração pesada do marlboro, esqueci que você nunca foi boa com entrelinhas. As entrelinhas do meu corpo fechado, da minha boca trêmula, da minha língua ferina, do meu vocabulário chulo, do meu silêncio poético.
Eu não soube te amar.
Você queria clareza, te respondia com incógnitas. Você queria doçura, mandava você virar gente. Que espécie de gente fui eu? Você me pedia um futuro, eu ainda remoendo o passado. Você queria mais um gole, te obrigava a engolir em seco. E eu pedia compreensão, leveza, mas meus ombros carregados e tensos não sabiam carregar teu querer.
Eu não soube te amar.
Fomos cúmplices até nas brigas, nos abraçávamos mais forte depois das ofensas trocadas, silenciávamos na cama o ressentimento. Nos levantamos a cada tropeço, insistimos nas boas lembranças, e não tinha um único dia sem um 'eu te amo' antes de dormir. Criamos uma vida, demos a cara a tapa, apanhamos. Choramos. Entrelaçamos, pernas, braços e espíritos. Viramos um nó. Nó que aperta minha garganta. Um nó apertado de uma relação tão fraca. Nó de marinheiro que dá mil voltas no mesmo porto, porque nele se fez lar, porque nele se fez seguro. E é tão duro sair de casa!
Soubemos amar.
De um jeito voraz e ao mesmo tempo passo a passo, instantaneamente trabalhado. Nosso amor foi aquela nossa cozinha do primeiro apartamento em que moramos: fizemos as compras, enchemos geladeira e armários, mas não sabíamos o que cozinhar. De tantas opções, morremos de fome, aquela fome de algo que não se sabe o que é e que sempre acaba com o humor quando não é saciada. E posso falar? Ainda tô faminta. Por não saber o que comer, desconto na sede, encho a cara e vomito tristezas. O estômago pede arrego, o peito irriga de pesar. E por entre outras bocas, outros braços, abraços, sexos e conversas, perdi. Perdi no meio da nossa cozinha a receita de como se encantar. Não faço ideia de como achar dentro de mim a fórmula de enxergar terceiros e deixar me apaixonar. Você esvaziou meu armário. Já não cozinho mais. Meu paladar rejeita outros sabores mesmo que já esteja cansado de comer sempre você. Quero dançar com outro par pra variar, mas quando percebo ensaio os passos que aprendi contigo. Então repito e mais uma vez te engulo.
Já não sei mais amar.