quinta-feira, 27 de maio de 2010

O primeiro do meio


E se eu dissesse que nunca me senti tão minha e tão completamente dividida ? E se eu dissesse que nunca me entreguei tanto e que nunca tinha recebido metade do que você me dá ? É estranho admitir que sempre vivi de migalhas e mais estranho ainda é me sentir completa com você.
Você abraçou meus defeitos, minhas esquisitices e até a minha mania de querer ser inalcançável e inatingível. Derrubou meus limites de intimidade e me fez agir por impulso, destruiu boa parte da minha racionalidade e fez com que eu sentisse o mundo mais de perto, o mudo mais meu.
Cansei de procurar uma resposta ou alguma explicação convincente e me permiti sentir, embora com medo, todo o bem que você me traz. Você é meu desafio mais perturbador, mais intenso, incerto, atraente, secreto. É minha página interminável, constantemente lida pra matar essa eterna saudade que tem que gritar tímida e silenciosamente pelo seu nome.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Café

Cheguei, sentei esperando. Veio-me com um cardápio cheio de requinte e variedade, me mostrou as especialidades da casa, explicou detalhadamente todos os pratos, me apresentou os novos sabores doces, salgados, apimentados e perversos do lugar. Trouxe consigo um aperitivo como cortesia e saiu dizendo que dali a pouco voltaria para que eu me decidisse e pedisse. Tremi de raiva e impaciência porque eu já sabia o que queria. Mas tudo bem, eu tava bem afim de comer ali, tinha que valer a pena aquele carnaval todo.
Depois de 10 minutos de molho, voltou. Perguntou se eu havia pensado e se aceitava mais um daqueles aperitivos, que por sinal sequer toquei. Respondi que não queria nada, só fazer meu pedido. Num gesto inesperado, me interrompeu, puxou uma cadeira e sem licença alguma sentou-se comigo, ali ao meu lado, sem mais nem menos. Fiquei atordoada, sem reação e mandei bem na lata que não queria saber dele na minha mesa, ele tava lá só pra me servir, um servo e nada mais, porra !
Pediu que eu me acalmasse e indagou sobre minhas preferências. Fitei-o mantendo toda a indignação que eu sentia no momento, ele nem ligou e indagou novamente sobre minhas preferências. Talvez pra me livrar logo daquela situação esquisita e igualmente desconfortável, respondi ariscamente, mas respondi. Discordou de algumas misturas loucas que eu gostava de fazer, deu dicas para que melhorasse outras, mas se identificou com a maioria. E sem que eu percebesse estávamos falando do passado, nos olhando nos olhos, de mãos dadas sobre a mesa, refletindo sobre o presente, confessando sonhos e decepções, e o tempo passou tão rápido ! Já era noite.
Interrompeu a conversa, levantou dizendo que tinha que ajudar a fechar o estabelecimento, mas que eu o aguardasse uns instantes pra continuarmos o papo em outro lugar. Esperei, esperei, esperei. Foi quando o gerente apareceu e me pediu que saísse que já estavam atrasados pra fechar. Perguntei sobre o tal que me deixou ali plantada, ele me disse que já não havia mais ninguém. Agradeci com raiva e saí quase furando o chão com meus passos de adolescente mal criada que a mãe deixou de castigo.
Fui pra casa e a imagem daquele imbecil não saía da minha cabeça cheia de pensamentos vingativos. Liguei a tevê, tirei os sapatos, me larguei no sofá, depois de umas duas horas o sono bateu e apaguei a luz me aconchegando pra dormir ainda inconformada: “ mas que filho da puta, nem se desculpou pelo tempo que me fez perder, nem deu tchau ou agradeceu pela companhia que lhe fiz, pelo ótimo papo que tenho. Ainda falei de sonhos ! Merda de sonhos ! Não volto lá nunca mais, não caio mais numa dessas, não mesmo. Estúpida ! ”
Acordei, abri as cortinas deixando o sol daquele dia lindo entrar na minha janela e percorrer o meu corpo, e fiz um café. No primeiro gole me lembrei da palhaçada do dia anterior e pensei sorrindo extasiada e surpreendida pelo sabor tão agradável que o meu café tinha “ grande filho da puta ! E eu só queria um café. ”

ps: esse é um dos meus primeiros! haha (:

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Irmãs e Amores

Foi a única vez que choramos sem ter o colo uma da outra. Caladas, quietas, distantes. Compartilhando apenas aquele choro doído e amargo. Mil coisas se passaram na minha cabeça, verdades minhas, verdades dela, e eu perdida dentro de mim imaginando o que se passava com ela. É frustrante ter que escolher um rumo sem se dar conta do ponto de partida. Enxergar dois lados de uma mesma história então nem se fala! Tem sido difícil ser feliz, tem sido trabalhoso deixar os outros felizes. Não ser egoísta tem um preço muito alto, mas eu to pagando lágrima por lágrima. Chorei com ela um até logo longo, nós sabemos que vai ser longo. Sabemos que nossas verdades não irão sem encaixar em nossas peças de quebra-cabeça que nunca cicatrizaram. Talvez elas nem tenham mais a chance de existir.
Eu que temia mudanças deixo o meu mundo de pernas pro ar e não tem mais conserto. Voltamos à estaca zero, voltamos a nos conhecer depois de tanto tempo. Talvez fosse o baque que todos precisavam pra enxergar que não somos mais os mesmos e que não dá pra viver da alegria do passado que foi doce, quase infantil. O presente é cheio de gente chata correndo pra lá e pra cá que liga de vez em quando e não tem tempo pra se ver, se entender, permanecer. Corremos tanto a ponto de não enxergarmos mais a largada, de não nos encontrarmos na chegada, onde ninguém subiu ao pódio. A gente nem percebeu que o tempo passou diante dos olhos através da vida alheia e que as nossas vidas foram ficando pra trás. Encerra-se um ciclo de grandes momentos feitos por outros minúsculos instantes que me trazem saudade do que fomos. A mentira que sustentava tudo caiu, algo forte se rompeu, talvez pra sempre, em um áspero monólogo de cinco minutos.

sábado, 8 de maio de 2010

Segredo


Se sentir a vontade com o mundo nos nossos momentos foi como eu descobri a cumplicidade tanto citada e tão pouco vivida. Chega a ser desconfortável essa confiança extrema, o perigoso é realmente mais envolvente. As epifanias do destino só confirmam a minha fé de que o futuro é completamente inesperado. Talvez correr riscos tão prazerosamente é que seja viver de fato. Saborosa, afetuosa, viva. As melhores sensações despertam e se misturam atingindo o limite do meu vocabulário. Nunca entendi nosso começo, não tenho idéia de onde começa o fim, mas o meio me mantém intensa, tensa, alerta, desperta.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Pra se guardar

Comprei uma caixa pequena e branca com bolinhas coloridas. Colei um bilhetinho cheio de cuidado e promessa na tampa. Enchi o espaço com as mais doces e saborosas intenções que eu tinha. Esperei o momento certo pra te entregar, mas você nunca se interessou e eu pus a caixinha colorida no meu guarda roupa, bem escondida pra ninguém tirá-la nem de mim nem de você.
Um dia eu cansei e resolvi pegar de volta tudo que eu tinha colocado lá dentro. No começo me enchia daquela bondade doce com uma pontinha de culpa e uma desesperança sem fim. Aí me acostumei e resolvi desfrutar sem medo do que eu preparei com tanta minúcia. Esvaziei a caixa e ela se encheu de saudade.
Tempo desses, você me perguntou qual o fim que ela tinha levado e disse que viria buscá-la. Eu sorri e expliquei sem culpa alguma que você esperou tempo demais pra ter interesse, e que por isso devorei tudo sem dó e com raiva. Você riu, mudou de assunto e esqueceu mais uma vez. A caixa andava jogada pelos cantos do meu quarto, vazia e intacta. Daí hoje eu inventei de enchê-la novamente, eu inventei de te esquecer mais uma vez e coloquei você lá dentro.