segunda-feira, 15 de junho de 2015

Nu


  A nudez é o reflexo da verdade. Expor a carne, suas formas, seus defeitos e segredos? Nunca! Prendam-na! É atentado ao pudor! E eu pergunto: que pudor? As pessoas se escandalizam com um corpo nu que dirá com uma alma.
  Coloca um casaco, tá frio. Tira o sentimento, tá esquentando. Esses shorts não estão muito curtos? Essa desculpa não tá muito esfarrapada? Qual o tamanho da sua verdade? Até que ponto cê (en)cobre a alma?
  Com que roupa eu vou? Vestindo um sorriso, no decote levo malícia, na calcinha há maldade. Não, tá vulgar. O que vão pensar? Quanto mais carne mostro, menos alma hão de ver. Se minha nudez faz arder tua retina, espero que queime até enxergar.
  Se abro o peito sou ridícula, se abro as pernas uma puta. Bom mesmo é ser fingida, cobrir-me inteira assim bem pura, debruçada na janela com um olhar profundo e lânguido tal qual Julieta a esperar por seu Romeu.
  Todo diário tem uma chave, todo corpo guarda um espírito, cada espírito um segredo. Meu diário é escrito em libras, tenha tato para ler. Cada linha à sua maneira: não se afobe, molhe os dedos, sinta a textura do traço, o cheiro das páginas. Vire-as com a certeza de que não pulou nenhuma frase, vocifere minhas palavras, realize minhas vontades.
  Saboreie cada dia, fique atento a cada ato. O dia de hoje tá em branco: e aí, tu é um homem ou um rato? Escreve comigo ou cala meus lábios? Calma, pensa melhor, não precipite a resposta porque sou quase uma esfinge, te dou três chances. Fique logo sabendo que sou impiedosa, tô louca pra te ver errar três vezes só pra comer você de costas.