segunda-feira, 2 de março de 2015

Esse dia quatro não é sobre você


De uma maneira displicente e invulgar fui me dando a outros como tentativa de fuga de mim mesma. Por entre tragos de bebida e cigarro, esbarrei em lembranças suas e me pus em lágrimas. Mas naquela segunda feira ao invés de digerir mágoas, devorei um livro, o primeiro de muitos que lerei sem comentar contigo as sensações que me despertam. Há tempos que não choro. Não por falta de motivo, mas por força de vontade. Recorri a velhos hábitos, como preencher a pulso firme e descoordenado essa folha em branco com minha caligrafia destreinada, quase infantil, tal qual minhas atitudes nos últimos meses. Foi então que me peguei na antevéspera do dia quatro, perdida no que poderíamos ter sido ao invés de procurar por palavras doces que descrevessem as sentimentalidades virtuosas que nos mantinham unidas - na tentativa de justificar o meu amor - como nos anos anteriores. E como uma epifania, meu peito reteve  o ar dos pulmões impregnados de fumaça densa e dissolveu as ataduras do meu coração. Vi ali minhas feridas expostas, sangrando, pulsando ódio e saudade, vi minh'alma frágil, sem pudor, quase virginal, nua, exceto pelo manto de medo que imperceptivelmente a envolvia. Observei os curativos e a armadura largados ao lado do meu corpo modificado pela tua ausência. Percebi minha fraqueza e notei em meus olhos refletidos no espelho uma humanidade jamais presente. Minhas feridas recentes, abertas, causadas pela tua compostura cruelmente infantil, abriram espaço pra um releitura profunda de quem sou e de quem quero me tornar. Tua passionalidade irresponsável rasgou meu eu em mil pedaços e juntou num mosaico abstrato as partes de mim que havia esquecido. O tempo não cura, mas ameniza a insanidade de amar demais. Eu ainda sangro, mas me libertei das ataduras que impediam de cicatrizar. Por vezes a saída pra dor do amor é se expor pra se enxergar. Se enxergar como indivíduo, refazer a matemática pra concluir que a gente pode ser mais uma vez um só. Ser um inteiro é melhor que ser dois fracionados. Para o próximo amor já aprendi a lição: não me doar a ponto de me esquecer, mas amar imensamente buscando agregar. Nesse quase aniversário de um namoro que morreu na praia, não te mandei mensagem nostálgica nem me afoguei em tristeza ou cachaça, me dei o melhor presente de todos: reatei comigo mesma.

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