Quando você acorda, abre a janela de manhãzinha e o sol
beija a tua face acariciando o cabelo bagunçado pelas reviravoltas na cama, e
daí você se sente agraciado por ter aberto os olhos, aberto a janela; sai
disposto a abrir os braços, envolve-se num abraço longo e apertado, que leva a ensejos
e beijos, desperta desejo, abrem pernas e entrelaçam-nas, sufoca o grito que
vem da tua alma, adormece o corpo e repousa num colo quente e confortável, e
desperta do sonho que se fez acordado. Quando depois dos lençóis desfeitos,
esparramados pelo quarto, você sorri e irradia aquela luz solar absorvida por
aquela manhã linda. Quando seu dia foi péssimo, o chefe te deu um esporro, você
chega em casa, ouve aquela voz, a única, que te faz esquecer as oito horas
anteriores e se deleita no corpo da voz, que te denga com suavidade e te faz sentir
em outra cidade, onde só exista você, ela e a delicadeza de se estar em paz. Quando
o riso brota frouxo só de pensar em vocês mesmos, ali, conversando sobre nada
num barzinho qualquer em meio a garrafas vazias e palavras carregadas de
detalhes. Quando o universo parece pequeno em vista da história de vocês, em
que tudo é banal se comparado à importância dos seus encontros diários, do
enlace de carne e espírito. Quando o foda-se é a única resposta quando o
assunto é o porquê de vocês não se separarem logo. Quando no meio da noite você
tem um pesadelo e logo percorre o lado oposto da cama pra se aconchegar e
voltar a dormir inebriado pelo cheiro de quem te acalma. Quando é assim, é
amor. Quando me vi assim, me vi nas nuvens, carregada pela esperança e a
renovação que só o bem maior traz. E eu só sentia, me deixava levar, sem
explicação. Simplesmente não há razão
pra não ser quando é. E foi. De repente, assim sem aviso, sem carta, remetente,
mensageiro, profecia, pai de santo, oração, que o sol um dia me acordou e não
me agraciou com beijos nem afagos, que me vi de braços cruzados, sem sentir os
costumeiros batimentos acelerados que certamente me levariam à tua casa, à tua
cama, nosso lugar comum. E não havia mais nada ao redor, nem chefe, nem voz,
pesadelo, calmaria ou tesão. Fez-se, novamente, morada do nada, meu coração. Fez-se
chuva das nuvens que me carregavam, efeito da primavera. A primavera que em mim
habita é a única razão para tal desamor. É que em Brasília, meu caro, as flores
caem em outubro, e lá se foi nosso bem-me-quer. Partiu do nada, assim como veio
ao mundo, assim como é a vida: só se vive pra morrer e só se vive uma vez. Amor
meu, meus sentimentos! Hoje oro pra que o tempo te leve em paz. Peço aos céus
pra que te guarde, que por entre as estrelas viaje, pois não há nada mais lindo
que se morrer e virar luz. Oro agora por minh’alma, pra que não se desespere no
vazio dessa morada, pois há de vir a qualquer hora o sol beijar-me pelas manhãs
outra vez.