terça-feira, 30 de junho de 2015

Do sol ao inferno


Você mal sabe pequena, que falta me faz por entre as cobertas nesse frio de junho, a tua presença morena. E quando pela manhã me fazia um café adoçado com teus beijos e esquentava por dentro meu corpo inteiro... Era um convite pra amar. E eu amava. Perdida em teus braços perdia a hora por ter perdido a roupa. Sinto falta das nossas manhãs de inverno, aquelas de antes da nossa vida virar inferno e por si só acalentar o ódio em nossos pobres corações. Sinto falta do teu cheiro, do teu toque no meu cabelo, que tomava outros rumos e passeava por meu corpo entregue ali na tua cama, completamente ao teu dispor. E cá estamos, inverno outra vez, janelas trancadas, mil cobertores espalhados, mas não tenho teu corpo, saí da tua casa. Abri mão do nosso lar pra não acabar de vez com o meu carinho e nossas boas lembranças, pra descobrir sozinha o efeito das estações no meu coração, que por mais clichê que seja, tá congelado desde aquela primavera em que desistimos da nossa história e eu fui embora decidida a te esquecer.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Nu


  A nudez é o reflexo da verdade. Expor a carne, suas formas, seus defeitos e segredos? Nunca! Prendam-na! É atentado ao pudor! E eu pergunto: que pudor? As pessoas se escandalizam com um corpo nu que dirá com uma alma.
  Coloca um casaco, tá frio. Tira o sentimento, tá esquentando. Esses shorts não estão muito curtos? Essa desculpa não tá muito esfarrapada? Qual o tamanho da sua verdade? Até que ponto cê (en)cobre a alma?
  Com que roupa eu vou? Vestindo um sorriso, no decote levo malícia, na calcinha há maldade. Não, tá vulgar. O que vão pensar? Quanto mais carne mostro, menos alma hão de ver. Se minha nudez faz arder tua retina, espero que queime até enxergar.
  Se abro o peito sou ridícula, se abro as pernas uma puta. Bom mesmo é ser fingida, cobrir-me inteira assim bem pura, debruçada na janela com um olhar profundo e lânguido tal qual Julieta a esperar por seu Romeu.
  Todo diário tem uma chave, todo corpo guarda um espírito, cada espírito um segredo. Meu diário é escrito em libras, tenha tato para ler. Cada linha à sua maneira: não se afobe, molhe os dedos, sinta a textura do traço, o cheiro das páginas. Vire-as com a certeza de que não pulou nenhuma frase, vocifere minhas palavras, realize minhas vontades.
  Saboreie cada dia, fique atento a cada ato. O dia de hoje tá em branco: e aí, tu é um homem ou um rato? Escreve comigo ou cala meus lábios? Calma, pensa melhor, não precipite a resposta porque sou quase uma esfinge, te dou três chances. Fique logo sabendo que sou impiedosa, tô louca pra te ver errar três vezes só pra comer você de costas.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Forever alone


  Às vezes voltar à estaca zero é necessário pra continuar. O passado já não me interessa e meus olhos já não enxergam nada aquém. A cabeça já não permite o retrocesso e coração endureceu com a realidade. Somos o que podemos apesar de por vezes desejarmos o impossível. Sonhar não custa nada, mas estressa. A vida é uma grande expectativa que acaba em morte e morremos aos poucos diariamente, seja de amor, de ódio ou decepção. Diante disso só me resta concluir que alegria é entorpecente pra otimistas continuarem a ter esperança. Quando enfim os olhos se cerrarem definitivamente não haverá mais razão pra ter sido. Será que sempre há de ter uma razão pra tudo? No meu escuro, não há motivo aparente pro meu silêncio ou pra minha falta de fé. Na minha lucidez -falsa? - há amargura por ter entregue a armadura. Baixar a guarda causa dor e por isso bebo pra anestesiar minha sinestesia. A felicidade do pessimista tá dentro de uma garrafa de vodca. Engulo.
  Mil olhos me reprovarão quando por mil bocas me virem passar. No meu estado mais ebriamente sagaz os outros passam efêmeros, sorrindo pateticamente de canto com o cigarro preso entre os lábios, fingindo sentir um prazer na verdade inexistente. E permaneço sozinha. Ilusão é acreditar que não estamos sós quando somos todos náufragos dum mundo hipócrita que quer nos convencer a qualquer custo que vale a pena estar aqui, que vale a pena estar aí, que vale a duras penas se doar e abertamente sentir. Que vale a pena continuar buscando o que nem se sabe o quê só pra se achar importante, que de alguma maneira somos essenciais. Não somos. Na verdade ninguém se importa com seus bons costumes, sua benevolência, com sua campanha anual pra arrecadar comida pros mais fodidos que você no natal, só você se importa. Altruísmo é utopia de gente cega.
  No fim, a vida é a conta do bar duma mesa grande: a gente se empolga no começo, pede todo o cardápio, ri a toa de todos e pra todos sem preocupação alguma. Com o passar do tempo as pessoas vão se levantando, indo embora... Algumas deixam um trocado, outras não. Até que você se encontra sem juízo largado numa mesa com mil cadeiras vazias e uma conta cara demais pro seu bolso. Só que na vida não tem como pagar lavando pratos, na vida a gente paga enxugando as próprias lágrimas. Sempre sozinhos.