quarta-feira, 30 de agosto de 2017

a seco

eu quero que você me coma de dentro pra fora, 
pelas beiradas
que teus dedos passem por entre minhas pernas 
mas só quando já tiverem tocado mansinho minha cara amassada acordando meio dia no domingo, preguiçosa
que meu corpo seja doce na tua boca
mas só depois da minha loucura ter salgado teu peito
como um descanso pro paladar
sobremesa, sobre-cama
eu te vi voltar da praia sob a quentura de agosto
se banhando no leito manso e cristalino dum rio
descansando depois de ter brincado na areia fina,
temperada pelas águas de Inaê
correndo descalço, criando casco na sola do pé
era eu Oxum (Ora iê iê ô!)
era eu Iemanjá (Odoiá!)
em plena seca de Brasília
transbordando com o mergulho do teu corpo dentro de mim

DEVANEIOS DE SEGUNDA (feira, categoria e intenção


primeiramente
a segunda também
e de repente ja é terça
não creio em terços nem metades
sou inteira e com vontade
na quarta te conto um segredo
deixa que morra na língua pelo menos até quinta
eu sei que você mente e não segura
pra todo mal há uma cura, é o que dizem
menos pra morte, eles falam
a repugnam por ser fatal, fazem até o sinal da cruz
ta re-pre-en-di-do emnomedejesus me ensinaram a rezar
"a cruz é com a mão direita, menina!"
assim me criticaram emnomedejesus
falei sobre encruzilhada e me ralharam
deustelivredetodomalamém
entoei mentalmente meu saravá
voltemos aos fatos
é que a sexta passa voando e carrega nos braços o sábado
boemia, copo vazio, cinzeiro cheio, corpo cansado
vira um copo a cada pedaço de alma que escorre pelo rosto
ou ao contrário
transbordando, transcendendo
aperreada com tanto gerúndio no caminho
tá tudo indo, eu to tentando, vamo fazendo
domingo a gente recupera
até o relógio trabalha deitado
e o tempo corre preguiçosamente a cada virada na cama
as costas doem de tanto ócio
a cabeça pesa com o coração apertado
(até tentei diluir no álcool, mas a química não aconteceu)
apreensivos aguardamos o desespero
a morte da juventude sabática
o recomeço
ja é meia noite
primeiramente, a segunda também

domingo, 30 de abril de 2017

Rezo terças

A noite é mãe de uma criança que berra. Batizei-a de angústia. Não sei se a mãe ou a cria. Enquanto os carros cruzam a avenida penso se peço ou não outra cerveja. Opto por pedir: a cerveja e uma caneta. Um moribundo pede um cigarro com a cortesia de quem aborda uma mulher sozinha. Não nego. Tragar é desatar um nó da alma, imagino o emaranhado que ele deve ter por dentro. Essas são as primeiras linhas desenhadas à punho desde que a praticidade da tecnologia se apossou do meu pouco tempo. Os homens conversam e me observam como se vissem um bicho selvagem por entre os prédios. Dentro do peito arde não sei o quê, pode ser a segunda Heineken ou a euforia em segurar uma esferográfica azul depois de meses. Sinto que domino a atmosfera tragando num ritmo atípico o marlboro vermelho designado aos dias mais complicados. A noite esfria à medida que afio a escrita e esvazio o copo. A vida é mesmo feita de antíteses, eureca! De dentro do bar o homem de verde discute ao telefone com alguém - provavelmente a esposa ou a amante, vai saber - que cobra sua presença. E eu, sozinha, constato por experiência própria, que amar alguém só é possível se pudermos estar sós vez em quando. Hoje não estou rouca nem me esforço pra entender conversas alheias, tudo chega naturalmente aos meus sentidos. A melhor percepção do mundo vem quando sou minha própria companhia​. Escrevo no verso de um livro criando pretensiosamente um adendo à obra. Tudo se mistura: eu e o poema, as luzes dos postes e das estrelas, a cria e o criador. Duvido que Deus tenha desenhado a humanidade sob papel branco com caneta nova porque a maior inspiração vem do despreparo, numa epifania. O homem nasceu duma ressaca d'Ele depois de inventar outras cousas, é a displicência do juízo divino depois que iluminou o céu. Talvez Deus estivesse realmente meio bêbado e talvez eu também esteja. Largada na mesa pelo estresse do expediente me despejo em devaneios ao passo que o garçom recolhe com igual cansaço as cadeiras pra dentro do bar. E ainda é terça feira.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Teto lunar

Não olhei pra lua no dia que todos a admiravam
Talvez seja essa a metáfora de minha existência
Teimosia vez ou outra faz cair de precipício e morro
a cada lua - cheia - até de mim

Deito-me, sem fitá-la, sob sua luz de misericórdia
Sobrecarregada de desapontamento
Esperando por um amor de cheiro doce e beijo quente
Tal qual essa noite que invade meus pulmões

Respiro e exalo o passado maculando a atmosfera
Os nós dos dedos dormentes, entrelaçados,
ensaiam a prece recorrente à confissão dos olhos
Ainda por encararem o circular clarão

Enquanto sorrisos abrem-se pro céu
Cativo inerte medos e memórias
As palavras já ditas assumem tons de arrependimento
A saudade aflita dos arrepios em nucas alheias
Provocados pelo querer

Pêlos excitados com vida nova e calor
O suor de desespero umedecendo os corpos nus
Este sumo salgado escandalizando o próximo ato, pra alguns
E remoendo na garganta de outros, o ressentimento

Cada qual na sua pele, compondo a naturalidade do universo
Brilhos singulares, displicentes, pelo mundo
Amontoados viram força de luz - incandescente
Somos constelação