quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Amar, há bar


Quando bati a porta da sua casa carregando minhas malas, meus cacos e uma imensa saudade prematura tratei logo de não cair. Foi o primeiro gole. Quando me levantei, joguei as malas no canto do mais novo antigo quarto e decidi esquecer: outra garrafa. Logo pela manhã, pra rebater a ressaca da ausência tua me bastaram um copo d'água e três cigarros. Pela primeira vez o amargo da boca não rejeitou a fumaça do marlboro depois de um porre, talvez por fazer par com a amargura do coração. Entardeci sobriamente atormentada. Foi quando deus disse: " que haja dor!". E retorceu-se dentro do peito todo o ressentimento. Repetiu-se então a anestesia: mais uma dose, é claro que eu tô afim. Virei a noite. Virei o dia. Virei o jogo, mudei a postura, virei louca, virei puta, virei a mesa, perdi o juízo. Quando tratei de te esquecer, despejei meu amor em garrafas e quando as abri desceram pela garganta em forma de rancor, em forma de protesto. Naquela tarde em que saí de mala e cuia da tua casa não tinha ideia da tua grandeza nem de que levaria milhares de goles pra tomar tua ausência por inteiro. E ainda não tomei tudo. E ainda falta tanto. Fecho os olhos, tapo o nariz, preparo o sal e o limão, mas sua falta nunca cessa. É macumba? Feitiçaria? Garçom, pare de me servir dessa cachaça ingrata que meu copo já tá cheio de tanto vazio! Do vazio de você. Se não tem cerveja na mesa, minha semana só tem segundas feiras. E eu ainda faço questão de finais de semana prolongados. Dentro dos copos cheios há felicidade momentânea, no fundo deles uma tristeza plena. Ainda os deixo transbordando sempre. Garçom, mais uma por favor! Ainda aguardo o dia de pedir a conta mesmo sabendo que vai ser absurdamente cara, mesmo com os dez por cento, ainda que eu pague sozinha.


terça-feira, 4 de novembro de 2014

Retificação


Nas crises de ansiedade, no tremelique das pernas, no tamborilar dos dedos na mesa, no copo sempre cheio de cerveja e desamor, nas tragadas de cigarro cheias de rancor: olha você!
No desejo que a noite não acabe, na ressaca seca e amarga na boca, no peito inflado de raiva, no rosto marcado pelo cinismo, no sorriso transbordando malícia: ali você.
Nas palavras caladas, no amor reprimido, no desejo sufocado, nas entrelinhas da vida, na minha língua ferina: tem mais você.
Do meu lado da cama, na minha mesa de bar, naquele som que me ganha, quando eu começo a chorar: cadê você?
No meu abraço apertado, no meu sorriso de lado, nas minhas promessas mal pagas, na minha voz embargada, nas minhas roupas jogadas, na minha cama mal feita: tinha você.
Revogo as palavras já ditas, apago as frases escritas, confesso: não aguento mais a partida. Se tua passagem fosse só de ida, talvez meu coração já soubesse bem certo que todo o afeto realmente sumiu. Mas tuas constantes voltas ao tempo que me incomodam também me fazem feliz porque não sou de aço, te roubo sempre um abraço e um beijo voraz. Jurando ser sempre o último encontro, despeço-me dos teus olhos tristonhos com o coração na boca, a alma dilacerada, a saudade já apertada e o orgulho ferido. Jurando ser o ponto final, me pego distraída escrevendo mais dois pontos na sequência, emendando mais uma vez os destroços dum amor fadado a partir dois corações.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Eternos laços desfeitos


Quando você acorda, abre a janela de manhãzinha e o sol beija a tua face acariciando o cabelo bagunçado pelas reviravoltas na cama, e daí você se sente agraciado por ter aberto os olhos, aberto a janela; sai disposto a abrir os braços, envolve-se num abraço longo e apertado, que leva a ensejos e beijos, desperta desejo, abrem pernas e entrelaçam-nas, sufoca o grito que vem da tua alma, adormece o corpo e repousa num colo quente e confortável, e desperta do sonho que se fez acordado. Quando depois dos lençóis desfeitos, esparramados pelo quarto, você sorri e irradia aquela luz solar absorvida por aquela manhã linda. Quando seu dia foi péssimo, o chefe te deu um esporro, você chega em casa, ouve aquela voz, a única, que te faz esquecer as oito horas anteriores e se deleita no corpo da voz, que te denga com suavidade e te faz sentir em outra cidade, onde só exista você, ela e a delicadeza de se estar em paz. Quando o riso brota frouxo só de pensar em vocês mesmos, ali, conversando sobre nada num barzinho qualquer em meio a garrafas vazias e palavras carregadas de detalhes. Quando o universo parece pequeno em vista da história de vocês, em que tudo é banal se comparado à importância dos seus encontros diários, do enlace de carne e espírito. Quando o foda-se é a única resposta quando o assunto é o porquê de vocês não se separarem logo. Quando no meio da noite você tem um pesadelo e logo percorre o lado oposto da cama pra se aconchegar e voltar a dormir inebriado pelo cheiro de quem te acalma. Quando é assim, é amor. Quando me vi assim, me vi nas nuvens, carregada pela esperança e a renovação que só o bem maior traz. E eu só sentia, me deixava levar, sem explicação.  Simplesmente não há razão pra não ser quando é. E foi. De repente, assim sem aviso, sem carta, remetente, mensageiro, profecia, pai de santo, oração, que o sol um dia me acordou e não me agraciou com beijos nem afagos, que me vi de braços cruzados, sem sentir os costumeiros batimentos acelerados que certamente me levariam à tua casa, à tua cama, nosso lugar comum. E não havia mais nada ao redor, nem chefe, nem voz, pesadelo, calmaria ou tesão. Fez-se, novamente, morada do nada, meu coração. Fez-se chuva das nuvens que me carregavam, efeito da primavera. A primavera que em mim habita é a única razão para tal desamor. É que em Brasília, meu caro, as flores caem em outubro, e lá se foi nosso bem-me-quer. Partiu do nada, assim como veio ao mundo, assim como é a vida: só se vive pra morrer e só se vive uma vez. Amor meu, meus sentimentos! Hoje oro pra que o tempo te leve em paz. Peço aos céus pra que te guarde, que por entre as estrelas viaje, pois não há nada mais lindo que se morrer e virar luz. Oro agora por minh’alma, pra que não se desespere no vazio dessa morada, pois há de vir a qualquer hora o sol beijar-me pelas manhãs outra vez.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Agosto de quem?


Viajei por entre sons há muito esquecidos, voltei ao tempo onde minha sede de futuro era constante, eu só queria que o relógio disparasse ali dentro do meu quarto escuro no 3º andar pra que a minha vida finalmente acontecesse longe daquelas paredes que representavam as regras que minha mãe tanto citava todo santo dia, o dia todo. Minha mãe era daquelas que grudava bilhetinhos do tipo “não use drogas”, “use camisinha”, “amo você”, no meu guarda-roupa, que me pegava pelo braço, me deitava na cama do lado dela e mesmo vendo na minha cara que eu ficava puta com aquilo, iniciava aqueles papos de namoro, sexo e bebida que nenhum adolescente quer ter com os pais. E ficava lá horas antes de dormir me falando de tudo ruim que aconteceu com ela, pra eu tomar como exemplo, etc. Os planos dela pra mim não deram certo. Afinal de contas, nada como se jogar na vida pra receber os empurrões seguintes. E eu caí arduamente, e me levantei depressa, porque né? Eu tinha que correr atrás dos MEUS planos. Mas eles também não deram certo. Fui atropelada pelos meus pretenciosos quereres, e meu signo de ar não fincou o chão sob meus pés. Tatuei asas, elas me carregaram.  Voei. Fui longe, mais do que imaginei, mais do que previ. De repente, na seca típica de agosto em Brasília, o vento virou mormaço e caí. Me estrepei, meu caderno e apostilas se misturaram à poeira e meus sonhos foram levados pela  brisa que se fez depois do carro que passou por ali. Sentei na parada de ônibus logo adiante e fui embora com a boca seca e o coração na mão. Meu semblante era terno, mas por dentro eu gritava desesperadamente. Ninguém nunca sabe o que se passa aqui, já é normal nem procurar ajuda nessas horas, não consigo, simplesmente perco a fala, e dano a discorrer sobre banalidades com um sorriso estampado no rosto. Engulo meus problemas com a cerveja e os exponho com a fumaça do cigarro. E é assim que eu vivo e morro todo dia: entre um gole e uma tragada. Diálogo nunca foi uma coisa fácil na minha vida, vide a minha raiva com os papos da minha mãe, – detalhe que todas as minhas amigas achavam a atitude dela o máximo – também por isso quebrei a cara naquele agosto. Eu falo com a escrita, meu coração só se rasga no papel, não tem jeito. Aquele inverno fez-se inferno no meu mundo. Mudei de ares, mas o mormaço era o mesmo. Tentei passar 8 horas presa na torre, no 3º andar, num escritório gelado, na tentativa de refrescar meus ânimos, mas meu coração quase parou. Parti outra vez. E entre minhas idas e vindas, o nosso amor tava ali, meio torto, mas tava. Aquele amor passivo, esparramado pela casa, guardado em caixas do lado da cama, dentro das canecas de chopp roubadas dos barzinhos, dentro das sacolas de roupas espalhadas pela casa e enfeitado pelo cone da PM que eu roubei naquele dia de bebedeira. Mas era um amor tranquilo, mesmo com toda a movimentação ao redor, nos movíamos com o mundo, girávamos 24 horas em torno de nós mesmos e 365 dias em torno da vida que nos cercava. Um dia de cada vez, uma ressaca a cada fim de semana, mil beijos antes de dormir. Daí veio agosto novamente. Roubou a leveza dos nossos dias, jogou longe nossos sonhos, enterrou as expectativas de reencontro. Agosto sempre me roubando a vida de outros 11 meses, agosto sempre me desconsertando a alma, a cabeça e o coração. Setembro quando bate à porta me encontra aos prantos, descalça, maquiagem borrada, felicidade engarrafada, cinzeiro cheio e peito sangrando. Ofereço a outra face, pra ver se saio dessa fase. Bate que tá pouco, setembro, pisa com vontade e anestesia essa saudade, saudade de dezembro, janeiro, carnaval e quietude. Saudade dos 22 completos em maio e de todo o amor que você transbordou em mim na ocasião. Já sinto o 10º mês chegando, me cobrando a 2ª parcela da separação, que nem sei que dia vence. O meu pobre sentimentalismo só pergunta quando vence esse carnê das casas da vida, que espero pagar em dia. Mas calma, outubro, não me faça cobranças ainda, tenho planos pra você. Novos planos pra enterrar no barro vermelho de Brasília em agosto do ano que vem.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Pra facilitar o troco e a descida

Anestesia. Meu sentir foi privado e tô atendendo só aos extintos. Voltei a ser predadora, primata, rocha, antropofágica. Degluto as impressões externas do mundo e as devolvo em forma de soco. Minhas palavras cortam e ferem. É tudo somente sexo e amizade, como ouvi Bethânia cantar no repeat esses dias. Oito ou oitenta. O veneno corre nas veias e escorre pela boca depois de beijos desenfreados em outros sem importância. E já nem lembro o que restou, se restou. E já nem sei o que é me derreter, deleitar com carinho num obro nu em meio a lençóis bagunçados, perdoar também já nem sei. Não preciso de perdão por algo que não sinto, nem pedir nem conceder. Não preciso de doses de cuidado ao tocar em certos assuntos, preciso de porres pra saber o que falar e o que calar. Se bem que só calo na sobriedade, quando é necessário mentir pra quem caga regra na minha vida sobre os relatos das noites passadas. Estar só é uma tortura indolor, por isso minhas costas já não doem mais por conta do peso que é amar insanamente. Eu não sei o que fazer, mas faço; não sei o que pensar, mas reflito; não sei como me comportar e danço. Subo na mesa, tomo mais um gole, mais um trago no marlboro que você me ensinou a fumar, encontro alguém, beijo, mais um gole, mais uma dança, caio, ébria, louca, no descompasso, já não sei dançar, dou teu troco pelo coração apertado, pequeno, amedrontado que me foi largado aqui dentro. Pega o troco, toma uma cerveja com aquela pessoa das suas novas histórias, porque sede pra mim deixou de ser necessidade fisiológica e passou a ser estado psicológico. Você não tem condição de saciá-la, meus novos hábitos não são do nível dos teus trocados.



segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Tudo pro alto me convém (2009)


Eu tô jogando tudo pro alto. Mais uma vez. E eu espero que dessa vez, só dessa, você não chegue de mansinho como brisa de verão e tente trazer de volta tudo o que eu decidi não querer mais. Não quero mais rir das suas piadas toscas nem ter vontade de tirar um sorriso do seu rosto quando você não tá bem, não quero mais as conversas longas e nem me encantar com a sua mania de repentinamente falar que gosta de mim. Eu não quero mais querer você. 
Quero ficar intolerante a qualquer tipo de sentimento que me faça ficar ridícula, eu quero anestesia pra todos esses truques ilusionistas que você sabe fazer como ninguém, mas ao mesmo tempo eu sinto vontade de saber se isso é, de fato, ilusionismo. Por que todos esses artifícios que você usa pra me ludibriar podem ser apenas conseqüências de algo verdadeiro, não? NÃO. Estúpida mesmo. 
Por isso eu to jogando tudo pro alto, esperando que dessa vez você não estrague os meus planos de solidão e onipotência com a sua capacidade de unir todas as coisas em mim em uma festa regada a entorpecentes que me trazem as melhores sensações. Eu quero espalhar por todos os ares o bem e o mal que fizemos um ao outro, eu quero que os ventos levem a nossa história pra longe de toda essa minha vontade de querer colocar no nosso conto um marcante ponto final. 



P.S: Esse texto é de 2009 e achei perdido aqui nas minhas lembranças. É incrível como mudamos mas continuamos iguais.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

O amor tem quatro cantos


Com você me sinto em casa
Morada de minh'alma, faça de mim o teu lar, que meu canto favorito é ao lado teu
Nosso grito uníssono ecoa em nosso quarto
Encanto.
Nosso lar.
O amor que em mim habita vez ou outra se esconde nas paredes do cotidiano
Mas não pense que esqueci onde, em dias tristes, posso repousar
Teu ombro, nossa cama
Nossa casa, teu coração.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Notas mentais


O único poema que descreve o fim é o silêncio.
Acabou.
A ca bou.
Fim.


Lembre que mover-se sempre no mesmo lugar também é inércia.


Tem hora que o que é sentido não faz sentido
Mas se há sentimento há razão de ser.


De tanto amor morreu sozinha
De tanto amor morreu com o mundo dentro de si
De tanto amor morreu.


quinta-feira, 8 de maio de 2014

Trilhas sonoras, labirintos vivos


Tava tocando Rita Lee. Alguma música que não identifiquei. Tirei. Coloquei um Vanguart e de repente o Hélio começou a cantar sobre o que a gente podia ser. Mas na minha cabeça não tinha "a gente", tinha "eu". O que eu tenho que ser, o que os outros esperam de mim. A verdade é que agora não tô esperando nada e continuo na espera. Outro dia me deparei com um questionário, numa entrevista de emprego, onde uma das perguntas era "quais são os seus planos a curto prazo?", e eu só pensei em responder "continuar sobrevivendo". Ai inventei umas mentiras e cruzei os dedos pra não me perguntarem sobre a resposta na fase seguinte da seleção. Não perguntaram. Ninguém pergunta.
As pessoas simplesmente esperam algo, justamente como eu. E esse texto, ao que parece, é sobre espera, mas na verdade era pra ser sobre como tudo tem me irritado, sobre como eu tô cagando pra vidinha filha da puta de vocês, sobre como eu quero que vocês se fodam. Sério. Daí esperei demais pra abrir a merda do computador e as palavras que eu ensaiei mentalmente sumiram. Todo ensaio é nada quando o espetáculo não estréia. Todo sussurro ao pé do ouvido é nada quando não faz a nuca arrepiar. Tudo é nada quando se tem tudo e não se faz nada. E nada é nada o todo o tempo. Não sei se tenho tudo ou se tenho nada, de qualquer forma é perca de tempo. Me perco.
Cada esquina dessa caminhada sem rumo parece dar em labirintos diversos. Tento escolher o que me parece mais fácil de sair. Não existe mais fácil. Fácil mesmo é virar umas doses e esquecer toda essa mediocridade, cantar mais alto que a música, acender um cigarro e acordar de manhã com poucas lembranças e muita ressaca. Acho que tô de ressaca dessa merda toda. Tudo tem cheiro dos labirintos que em que me meto, onde as trilhas são sinuosas e insinuantes. Elas vêm charmosas, cheias de suingue, más intenções. E eu caio, mergulho, brindo com elas, deleito-me por entre elas, piso em todas, beijo, abraço, me agarro. Quando dou por mim, estão me sugando, me conduzindo numa dança que não pedi, dois pra lá, deus pra cá. Me perco de novo. Aliás, não é que eu sempre me perca, é que nunca me encontro. Acredito nesse lance da vida ser uma eterna busca - pura sagatiba, como diria Seu Jorge - só que nesses momentos de desespero, filosofias baratas e histeria, nos apegamos a todo esse blá blá blá de encontro e espera. Precisamos disso pra continuar, pra colocar a culpa em algo. Só que a vida não marca compromisso com ninguém, apenas exige que nunca estejamos ocupados pra ela.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Transito embriagada cuspindo versos

Os velhos olhos vermelhos voltaram de ressaca. Capitu sem tranças e várias transas. De segunda à sexta, a vida - ávida - era uma ciranda sem fim, sem nexo. Expectativa. Espectador? Protagonista! Vida louca, vida breve, não me leve! Bem leve, mas releve.
Se existe sentido em existir, ele é o desejo de querer ser algo a mais sem pagar demais. Sem morrer devendo à vida o viver tão desejado por ter sucumbido ás tentações das ostentações. Ser simplesmente essência.
Todos os carros, aviões e bicicletas que por mim passam, levam e trazem lembranças. É tudo simplesmente amor. Só o amor constrói, fortalece e enaltece  o passado imperfeito, o futuro do presente e o presente (pretendente) do indicativo.



domingo, 16 de março de 2014

Keep Calm and?

Calma. Deixa o sangue esfriar. Coagular. Secar. Formar ferida. Calma. Não tira a casca. Controle os dedos. Corte as unhas. Use luvas. Não se machuque assim tão fácil. Calma. Não xingue, não se exceda, não beba demais, não fume demais, não chore demais, não corra, converse sempre, seja menos egoísta, fica aqui. Não sei porque você não vai. Vá, mas não fuja. Fica, mas não se mova. Vai ali praquele canto, calada, apenas sorrindo. Não deixe de sorrir nem pra engolir e não deixe de engolir sempre. Calma. Não grite, seja amável, me ame. Não suje, lave a casa e deixe a alma afogar. Esqueça e deixe sempre eu me lembrar de todas as lágrimas, brigas, cortes e costuras que você me fez. Não se faça de louca nem atrapalhe meus devaneios. m a n t e n h a a c a l m a. De tanta calma a alma se esvai. De tanta paciência a fúria tomou as rédias. De tanta inércia a língua dança e lança todo o veneno outrora engolido. Mas não digerido. Dez mandamentos. Sete pecados. Vá a merda! Quem não sabe bater só serve pra vítima. E que a vítima tenha calma, não eu. De tanta calma o relógio parou, desandei, desandou. Inércia amarga afeta o amor. Será que é fatal? Coração lascivo, conviver passivo. Com viver. Conviver. Há um charme derrotista em andar sempre de metrô: dar mil voltas no mesmo buraco. Há um charme pessimista em perder um amor: lavar a alma com a própria tristeza, banhar-se em lágrimas do que há tempos era certeza. Era uma vez. Mas calma. Escuta o fim da história. Termina com "viveram para sempre". Nem sempre felizes, nem sempre aos beijos, nem sempre no trabalho, nem sempre bêbados. Apenas para sempre. Apenas eterno dentro do sangue que esfriou, coagulou, secou, formou ferida. Dentro de nós.