sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Antes de carnavalizar, eu quero ver o que vai dar


Como o lobo e a chapeuzinho, vivemos dois extremos. É como se as sinapses não interpretassem as batidas do peito. Eu muito jovem, tenho a impressão de que as artérias estivessem todas entupidas. Não sinto. O sangue passa, transpassa, transborda e nada. Batidas que funcionam só em fevereiro. Carnaval parece dinheiro, no compasso do meu samba enredo, morre antes de ter um fim. Nota zero em harmonia. Minha porta-bandeira já não dança enquanto o crioulo faz festa com a música uníssona do silêncio. Chora bailarina. Teu samba já não basta, teu suingue já não dá conta da malemolência do mundo. Descansa, passista. O pandeiro toca? Quem dedilha o cavaquinho? Há muito não ouço tua música, há muito ninguém ouve. De peito entreaberto ouço os sons da rua, a festa dos trios, não visto os abadás. Carnaval em fevereiro e eu em pleno outubro. Outubro, primavera, chuva antes da hora em Brasília. Seca no meu coração. Antídotos, antíteses e paradoxos. Ainda é outubro. Por onde andam os outros nove meses. Nove meses é uma vida. O que gerei? Meu filho é a solidão no meio de um milhão de pessoas, meu filho anda sujo e dependente de cinco minutos de paz proporcionados pela embriaguez. Meu filho anda por aí de mãos unidas pedindo um pouco de misericórdia. Mas no carnaval as pessoas só querem se divertir. Na tevê ou na pipoca todos querem bater palmas no ritmo. Que ritmo? Já não danço nem canto. Garçom, traz aquela música? Ou a que me aquiete ou a que me desperte. Apenas música. Dê-me um cigarro, diz a gramática. Me dá um cigarro, eu digo a você. Quanto aos outros, não sei o que dizem. Meu mundo se resume à primeira pessoa do singular. Pedem-me gramática, ofereço poesia. Criação é balela em vista da cópia. Deixemos de ser cópia! Peço: SINTAM. Não como eu, mas como as voltas do mundo em torno do sol e ao redor dele. Se translação e rotação regem o universo, transladem e rotacionem, não estacionem. Entre, mas não sente. Lave a louça, faça o jantar. Não demorem pra lavar as roupas, elas mofam. A sujeira toma conta de tudo, inclusive da alma. Lave as roupas, lave a alma. Fevereiro é o mês de vestir o que outubro lavou. Não demore três meses pra vestir roupas limpas como eu. O ano começa em janeiro. Em fevereiro desfrutemos! Não deixe a angústia pra outubro, não canonize fevereiro. Não siga meu exemplo, curta o carnaval sem ansiar por ele, deixe que ele venha como a consequência de existir: viver. Não feche as janelas do terceiro andar, porque mesmo mudando do sexto, respirar por aparelhos nunca é saudável. Mude de edifício, de quadra e de setor. Mude a vida enquanto ainda ousamos viver.


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Enquanto falam de Vygotsky...


Escrevo cartas que não serão enviadas nem ao menos relidas. Sentimentos postos apenas na lembrança, trancados onde o coração não possa alcançar. Sensações vindas do âmago, bem dobradas e seladas para nunca serem redescobertas. Por quanto tempo ainda me esconderei atrás de mim mesma? Quando me permitirei  demonstrar a intensidade e as angústias daqui de dentro? Será que vivo de fato? Ou simplesmente me agarro ao mínimo do meu potencial humano?
Por enquanto vou vendo os dias passarem sem reparar quando o sol se põe, trancada na torre mais alta pra me encaixar na rotina do mundo, engasgada com meus próprios verbos numa gagueira interminável de vida. Cuspo ou engulo? A grande pergunta da hora H.
Não posso perder tempo nem deixar com que ele me perca. Não posso deixar que o fruto apodreça ainda verde na minha mão, como fez Eduardo. Mas também não posso colher o fruto já maduro demais.  Os melhores poetas morreram antes dos vinte chorando as dores prematuras da carne e da alma. E o meus vinte anos de boy: that's over, baby. O que fazer depois daqui sem dar voltas ao redor do passado ou guardar caixão pro futuro?
Só batam à minha porta com respostas pra tudo ou com a pergunta crucial na ponta da língua - ferina-. Não desperdice meu tempo com ladainha enfadonha! Passemos as horas discutindo a existência e existindo um no outro. Me explore, sinta o corpo que carrega essa pobre alma, entre. Tome minhas mãos geladas e me leve pra dançar, faça meu relógio parar de bater, me jogue na cama pra passearmos por toda ela. Faça o tempo esvair-se pelas minhas pernas. Saboreie minhas verdades e decida: cospe ou engole?

terça-feira, 16 de abril de 2013

Por isso corro demais


A vida tá correndo tanto quanto as pessoas. Não vejo mais ninguém nem aqui nem ali. Corri de todos, passei por tantas esquinas e me acomodei no sossego da indiferença. E pra quem acha que não, há sim indolência após o porre. Os porres. Que seja! Ninguém é insubstituível e eu tô correndo tanto que não tenho tempo pra repôr as costas que se viraram e deram o fora. A vantagem é que eu nunca mais chorei pra precisar delas aqui. Meu caminho não está vazio mas também não tá lotado me fazendo tropeçar a cada passo. Tô suave, displicentemente ocupada de novas pessoas e passando leve por cada esquina a caminho da faculdade. Sem medo, amarras e justificativas; trabalhando a minha essência, desfrutando da minha bondade e da bondade do mundo, refletindo o meu amor no teu rosto a cada manhã agitada: é assim que corro todos os dias pro trabalho e conto as horas pra sair do metrô vazio e cair nos teus braços nem que seja durante os cinco minutos que me mantenho acordada antes que tudo comece de novo. A cada chegada no nosso cantinho percebo quão valiosas foram as inúmeras partidas.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Mamãe já dizia que ela era uma santa

A questão é que ela era boa demais. Boa demais pra ser vista com aquele menino, forte demais pra cair de bêbada, cool demais pra ser amiga da fulana. Queria ser boa moça, transparecer bondade, amizade e certa leviandade, mas sem perder a pose, claro. Era tão convincente que convenceu a si mesma que era movida a bondade e solidariedade, que nunca saía da sobriedade e que era benquista por toda a cidade. Achava que ninguém reparava na sujeira por debaixo do tapete e as garrafas no canto da cozinha que não escondera devidamente por falta de familiaridade com afazeres domésticos e higiene de alma. O problema é que mesmo com a sujeira incômoda, não contavam por medo ou compaixão que a perfeição não habitava na sua morada e que seu coração era ácido e sua língua ferina. Empunha diante de si orgulho, preconceito, muito amor resignado e pouca habilidade de doação. É bem verdade também que não era de todo ruim, longe disso. Tinha muito apreço pelos outros dependendo das estações do ano e da balada da moda. Carregava consigo muita sede de qualquer coisa que a fizesse nunca lembrar quão vazios eram seus dias e sua noites cheias de amigos de meias horas e de flashes pras poses nos retratos. Não descartava qualquer possibilidade de amor platônico. Se alimentava disso e mesmo insatisfeita era incapaz de deixar de lado aquela bobeira infantil e ter hombridade pra encarar algo palpável. Covardia define. Covardia com os que se importavam - como já foi dito também tinha suas inúmeras qualidades -e consigo, porque no meio da poeira estavam jogadas ali no canto, quase dentro da caixa, a doçura, a ternura e a coragem. Coragem de encarar o espelho de frente e enxergar pela primeira vez a franqueza do ser nos seus olhos castanhos e amendoados e depois espatifar com vontade o reflexo de todo o resto, como se agora os pulmões pudessem respirar livremente, mesmo com o cigarro aceso, e o grito da vida subisse pela garganta desapertando o peito. Porque isso sem dúvida é caso de aperto no peito e sufocamento. Perfeição também sufoca mente trai e parte corações. O lado bom da vida é poder gritar mesmo ressabiado e compreender que o erro é o melhor passaporte pras escolhas corretas. O erro é a vida ensinando a tapas o que os olhos ignoraram. Permita, deus, que ela assuma seus erros, que viva com eles. Ou que enxergue melhor.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Fui e indo estou pr'onde serei


  Aos dez eu planejava passar no vestibular com dezesseis, virar jornalista e sair de casa. Aos dezesseis eu não passei no vestibular, fui pra um cursinho onde fingia que estudava e nunca ia numa aula sábado pra ir prum canto qualquer com as amigas. Não planejava nada. Daí pros dezenove arrumei meu primeiro emprego, bebi  e chorei muito achando que amava, bebi muito e encontrei o amor em quem eu menos esperava, passei no curso que eu eu tava afim - letras - na federal. Me bastava. Aos poucos o mundo que me abraçava fez-se pequeno e banal. Aos vinte já não tenho paciência pra fofoca, vida alheia, opiniões que não me acrescentam, pessoas que não me completam. Não tenho tempo nem vontade de saber quem você pegou naquela festa e o que você tinha tomado pra agir de tal modo. E mesmo quando as notícias correm por aí entre as bocas de quem eu ainda não descartei da minha vida, não julgo. Fiquei sem saco pra julgamento. Fiquei sem saco pra picuinha. As minhas paranoias, ressentimentos, inseguranças e poucas conquistas tomam conta de todo ar que eu respiro. Se a você só interessa aqueles papinhos batidos de pessoas muito populares que estão em todos os lugares, por todas as redes sociais: por favor, não me procure. Não teremos assunto, não mais. Alguns me julgarão hipócrita pelas linhas acima, dizendo que eu já fui uma dessas pessoas oniscientes-onipresentes apontando o dedo tirano na cara de quem não vivia como eu. E estarão completamente certos: JÁ FUI. Como qualquer ser humano, fui criança, adolescente e tô caminhando pra ser mulher mesmo que meus passos sejam tortos e por diversas vezes se desviem num erro grotesco. E vou continuar desviando a rota. SEMPRE. Fui predestinada  a correr atrás da felicidade acima de tudo, mas não acima de todos, por mais que eu esteja por cima de você que deixa tudo mais leve e me tira o peso de ser metódica e radical demais.
  Como toda mudança, essa me trouxe dores. Principalmente a dor de perceber que essa gente se mascara não somente para blindar o coração, mas pra atingir o outro na tentativa de se sobressair e que outros simplesmente desaparecem apesar de há muito terem prometido um colo. Cansei de fazer de conta que não me dói oferecer um abraço e ter apenas o álcool e a reclusão pra me acalantar. Cansei de fingir que sou inatingível e desenhei com as lágrimas meu atestado de fragilidade. Não sou frouxa nem rocha, sou gente. Eu grito, choro, preciso de uma mão, de carícias e do meu amor. Preciso de cerveja, bater um papo no bar, rir e fazer rir. Preciso de leveza, firmeza e compreensão. Preciso me doar pra não sufocar e o que me salva de não enlouquecer agora, aos vinte, são teus beijos e a escrita. Porque no resto, meus caros, não há cumplicidade, reciprocidade e muito menos segurança. Abri as portas do meu mundo, cruzei a linha tênue que dividia minha mesquinhez de espírito, o medo e os escudos da minha sede de devorar cada pedaço de vida empunhando minha espada que corta as amarras que impedem que eu seja de verdade. O passado não mente sobre mim, mas o presente é que revela quem sou. EU FUI. Fui muita coisa aos dez, aos dezesseis e aos dezenove. Sou aos vinte e daqui pra frente tudo mira no que eu quero ser. Responsável por mim, pelos meus atos e pelas suas alegrias. Dona do seu abraço, dos meus passos e da minha vida.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Dia quatro outra vez


De cara não fui com a sua cara e eu tava mesmo era afim de outro cara. Chorando na janela do apartamento nem reparava em você e nas suas palhaçadas de embriaguez. Foi brincando que você se tornou algo sério. O meu medo de amar e chamar alguém de amor aumentou quando naquele quatro de março você me propôs baixinho que eu caminhasse com você pelo tempo que durasse. Meu coração foi a mil, um milhão. Foi de longe, a melhor decisão que tomei bêbada ao dizer sim e ir com você pra casa, mesmo que nossa manhã não tenha sido digna de Shakespeare. Pra mim, aquela manhã do dia cinco foi estranhamente mágica: eu ainda tonta de paixão cerveja e receio, sendo levada pra casa por você naquele frio, nos beijando na esquina na hora da despedida e aquele ar de mudança pairando entre os lábios. Minha vida nunca mais foi a mesma. Ela se fez doce, atrapalhada, desesperada. Se fez saudade e vontade de estar sempre junto de você. Se fez despedidas e decepções. Amor e alma. Cumplicidade e gritaria. Meu caminho não é mais só meu, o meu riso é todo seu e minha dor você abraça. Eu te amo. Naquele quatro de março que antecedeu a manhã fria e o primeiro beijo de despedida me fez mulher e amante, me fez errônea e sufocante, me fez criança e birrenta, mimada e amada. Aquele dia trouxe você de mala e cuia na minha porta com o coração entre as mãos pra eu cuidar. Te cuidar. Quebramos nossas promessas diversas vezes, nos ferimos tantas outras, esbarramos no nosso egoísmo e imaturidade constantemente e mesmo assim ainda é quatro de março. E ainda assim eu quero você comigo na cama acordando preguiçosa e antes de dormir falando lorota pra me irritar ou dizendo coisas bonitas pra me ninar. Espero ansiosa e de peito aberto pelos nossos próximos aniversários e pelas nossas novas conquistas embaladas pelo som da Luiza, garrafas de vinho, abraços apertados e lábios selados de desejo.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Sem meias-voltas, vamos já

  Se me perco no meio do caminho, não volto atrás. Continuo até me reconhecer na estrada, e quando meu rosto não me parecer estranho saberei que estou indo bem.
  Se eu me perco em teus braços nas horas inusitadas é pra mostrar com meu afeto que pertenço ao teu colo e à tua alma.
  Se me perco entre as letras é porque já não caibo em mim, já não consigo abrigar os quereres da vida. E eu quero sempre. E eu sempre transbordo.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Mais um tempo, mais uma lição.


Eu não ouço ninguém. Não quero ouvir mais ninguém.
Eu não vou me conter. Eu não me contenho mais.
Desatei os nós do meu corpo. Afrouxei o cordão da liberdade.
Libertei meu pescoço das inúmeras mãos e línguas que queriam me sufocar.
Gritei com quem há muito não me ouvia.
Entendi
As conveniências do ser humano.
As falsas palavras.
Os abraços irônicos.
As risadas de desprezo e ingratidão.
Preciso me reinventar. E limpar os pulmões entupidos do ar cretino das falsas considerações.
Só quero
tua mão a me acalentar e teu colo pra depositar a única verdade que preenche meus cantos;
O meu amor, nosso querer. Minha força.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Esfinge


O problema não é não ler as entrelinhas, é não ler o que está escancarado depois de tantos papos e choros de embriaguez. Você lê o supérfluo mesmo quando o bilhete tá coloquialmente escrito e pregado na geladeira, do jeito que você gosta de ler quando busca água pela manhã.  Um dos meus defeitos, mania, sei lá, é enaltecer os detalhes e acredito que melhorei muito quanto a isso. Acontece que as suas falhas já não estão intrínsecas nos fatos cotidianos, elas gritam aos meus olhos. Alto. Meu juízo já não responde por mim e a minha língua ferina é contida pelos desaforos que eu digo mentalmente e que você não aguentaria ouvir. Uma coisa em mim diz “vai fundo, joga a merda pra fora, limpa o ciclo, lava a alma”, mas eu não consigo, sei que nada mudaria. Nem a embriaguez foi capaz de me fazer cem por cento sincera com qualquer um em qualquer assunto. Eu sei o poder que as palavras tem sobre as risadas de alguém porque já vi as minhas se desmancharem em algumas frases ditas da alma pra fora. Aprendi que quando não é cuspida na nossa cara, a verdade deve ser mantida em total sigilo pra não amputar membros consideráveis da nossa existência.  Não sei se atribuo à sorte ou ao azar o momento em que somos cuspidos, em que simplesmente nos tornamos espectadores do nosso próprio mundo e reconhecemos os falsos pilares que acreditamos sustentar o que somos. Não sei se é pior enxergar além do meu campo de visão ou ter continuado submissa aos seus julgamentos. Talvez a submissão me rendesse só amor e eu tivesse me tornado uma daquelas mocinhas de filme que se alimenta unicamente do sentimento que o outro nutre por ela. Talvez eu estivesse mais feliz. Mas se eu não tivesse me deixado levar no passado, talvez você já soubesse ler as entrelinhas e os bilhetes na geladeira. Talvez. Talvez não haja erros, apenas um amor que não morreu, mas que também não aprendeu, que estagnou nas mentiras e sufocamentos de outrora e não consegue mais emergir do misto de culpa, verdades e intolerâncias. A gente tá tentando salvar um barco que já naufragou. Não temos mais botes salva-vidas nem âncora. Somos aquela cena de “Titanic” em que a mocinha chama por seu príncipe e ele já está inerte, imerso no gelo e no silêncio. Nós somos o príncipe quase constantemente e o nosso amor é aquele navio despreparado e cansado de tantos acidentes, de tantos obstáculos. De tanto chamar sua atenção pro que realmente me importava – e de você não entender nada quase sempre- me vejo sozinha tentando mudar de nome num navio estrangeiro tentando chegar a algum lugar. E agora que eu quero chegar no final desse texto, sinto a necessidade de dizer que eu não quero  estar num navio diferente e também não quero gritar em vão nem não conseguir te ouvir. Eu quero paz. Aquela paz que aparece no início do filme com pessoas bem vestidas, falsidade escondida por entre as paredes, jantares esplêndidos e nenhuma preocupação. Eu quero ter aquela mesma euforia do Jack quando ganha o bilhete premiado sem saber o que esperar, mas ao mesmo tempo aliviado por ter encontrado algo pra acreditar e seguir. Eu já não sigo por não acreditar. Talvez as pessoas que correm alguma maratona e chegam em segundo lugar por fração de segundo  tenham a mesma sensação. O problema é que eu não quero nada de segunda.  Eu quero sábados e domingos rodeados de amigos, hipocrisia, bebida e seus beijos.  Eu quero deitar no teu colo sem pensar que dali a pouco eu posso não estar ali. Queria muito pensar que isso é mais uma daquelas crises loucas que vira e mexe atormentam minhas ideias, mas sinto que é diferente. Sinto que não há nada mais pra se segurar, nem uma borda, nem uma boia. É melhor pular fora antes que eu me afogue e você não saiba mais como nadar. 

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Gaza


Levo o tiro e só morro depois, aos poucos vou sangrando tudo o que os momentos alegres estancaram com a voz do Cazuza ao fundo e um vinho barato na mesa do computador. Daí trago o vinho e degusto minha dor. É com arrependimento que sempre me pergunto o porquê de não ter quebrado tudo ou morrido de vez na hora do disparo. Ser ou não ser? A palavra por um triz já atravessando a língua dilacerava o peito muito antes de ser pensada. Distraio as balas alojadas com sorrisos e abraços e no final estrago tudo, porque no fim o sangue escorre. Tenho pavor de sangue e de tudo que soa como desagradável e sufocante. Às vezes tenho pavor de mim. Até que ponto a sofreguidão escondida muda uma gargalhada? Quando foi a primeira vez que minha garganta começou a trancar com ela meus sentidos? Que dia o medo de ser atingida me proporcionou feridas abertas? Não sei quais desculpas dar para o atraso das conversas, não sei onde eu tava nem com quem. O que eu bebia? Ninguém sabe.  Mas as feridas estão aqui, os disparos ecoam ainda nos ouvidos e o que me reveste já não aguenta mais tamanha exposição ao sentimentalismo solitário. Mais uma dose, mais um cigarro, mais um choro, mais um desabafo. Um tiro só dá em morte certa se atingir a cabeça ou o coração e eu não sei pra onde apontar a arma. E aguardo o minuto em que o meu pedido de socorro ecoe e anestesie os danos causados por essa violência sutil.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Tô, vou, quero


A ansiedade de chegar em algum lugar mata pouco a pouco todos os passos previamente mentalizados. Meu destino, minha sina ou o deus que me rege brinca de antropofagia e faz tudo virar um caos. Se viver é se surpreender sempre, tô vivendo bem. Sempre às escuras, olho as luzes pela cidade e peço em silêncio pra que um feixe de esperança caia das estruturas de concreto sobre meu caminho meio torto, vago, meio quase nada. E ando querendo mudar querendo permanecer.
  Uma bússola, uma vela ou um lampião. Um mapa. Mesmo que eu já tenha riscado sobre ele o xis. Por favor. Não queira ser tão mau comigo assim, não sou dos males o pior. É bem verdade que não sou um doce, mas tenho algo fincado na alma que faz o sangue correr quente e impulsionar o amor pra fora de uma maneira quase hostil. Tenho uma marca no peito, cicatriz do que eu guardo a sete chaves. Se você enxergasse, veria que minhas linhas começam suaves e à medida que as palavras correm, cortam o papel porque é nele que eu deposito toda a minha força. Talvez a minha maior cicatriz seja essa e todas as outras folhas que já rabisquei.
  Minhas palavras são como as pessoas que passam por mim: no início cada uma tem sentido e é indispensável, depois se encerram ou engasgam em algum ponto sendo eliminadas, reorganizadas ou modificadas. Não sei se por conta da minha constante inconstância ou por falta de tempero e paixão por parte delas. Cada uma vale o que transmite e pra mim é tudo uma questão de harmonia e bom senso, quase nunca de estilística. Não faz meu tipo. Até mesmo os palavrões se instalam e são bem-vindos, às vezes eles caem bem. Bem até demais.
  Tem vezes que a vontade de gritar é enorme, mas a boca é incapaz de proferir qualquer coisa a não ser seu nome. E tem horas que o choro é a melhor resposta, horas em que molhar o papel é melhor do que enchê-lo de sensatos devaneios. É quando a lágrima se faz determinante, que todo grito, toda palavra, padece sob a verdade incontestável do silêncio.