quarta-feira, 20 de março de 2013

Mamãe já dizia que ela era uma santa

A questão é que ela era boa demais. Boa demais pra ser vista com aquele menino, forte demais pra cair de bêbada, cool demais pra ser amiga da fulana. Queria ser boa moça, transparecer bondade, amizade e certa leviandade, mas sem perder a pose, claro. Era tão convincente que convenceu a si mesma que era movida a bondade e solidariedade, que nunca saía da sobriedade e que era benquista por toda a cidade. Achava que ninguém reparava na sujeira por debaixo do tapete e as garrafas no canto da cozinha que não escondera devidamente por falta de familiaridade com afazeres domésticos e higiene de alma. O problema é que mesmo com a sujeira incômoda, não contavam por medo ou compaixão que a perfeição não habitava na sua morada e que seu coração era ácido e sua língua ferina. Empunha diante de si orgulho, preconceito, muito amor resignado e pouca habilidade de doação. É bem verdade também que não era de todo ruim, longe disso. Tinha muito apreço pelos outros dependendo das estações do ano e da balada da moda. Carregava consigo muita sede de qualquer coisa que a fizesse nunca lembrar quão vazios eram seus dias e sua noites cheias de amigos de meias horas e de flashes pras poses nos retratos. Não descartava qualquer possibilidade de amor platônico. Se alimentava disso e mesmo insatisfeita era incapaz de deixar de lado aquela bobeira infantil e ter hombridade pra encarar algo palpável. Covardia define. Covardia com os que se importavam - como já foi dito também tinha suas inúmeras qualidades -e consigo, porque no meio da poeira estavam jogadas ali no canto, quase dentro da caixa, a doçura, a ternura e a coragem. Coragem de encarar o espelho de frente e enxergar pela primeira vez a franqueza do ser nos seus olhos castanhos e amendoados e depois espatifar com vontade o reflexo de todo o resto, como se agora os pulmões pudessem respirar livremente, mesmo com o cigarro aceso, e o grito da vida subisse pela garganta desapertando o peito. Porque isso sem dúvida é caso de aperto no peito e sufocamento. Perfeição também sufoca mente trai e parte corações. O lado bom da vida é poder gritar mesmo ressabiado e compreender que o erro é o melhor passaporte pras escolhas corretas. O erro é a vida ensinando a tapas o que os olhos ignoraram. Permita, deus, que ela assuma seus erros, que viva com eles. Ou que enxergue melhor.

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