Viajei por entre sons há muito esquecidos, voltei ao tempo
onde minha sede de futuro era constante, eu só queria que o relógio disparasse
ali dentro do meu quarto escuro no 3º andar pra que a minha vida finalmente
acontecesse longe daquelas paredes que representavam as regras que minha mãe
tanto citava todo santo dia, o dia todo. Minha mãe era daquelas que grudava
bilhetinhos do tipo “não use drogas”, “use camisinha”, “amo você”, no meu
guarda-roupa, que me pegava pelo braço, me deitava na cama do lado dela e mesmo
vendo na minha cara que eu ficava puta com aquilo, iniciava aqueles papos de
namoro, sexo e bebida que nenhum adolescente quer ter com os pais. E ficava lá
horas antes de dormir me falando de tudo ruim que aconteceu com ela, pra eu
tomar como exemplo, etc. Os planos dela pra mim não deram certo. Afinal de
contas, nada como se jogar na vida pra receber os empurrões seguintes. E eu caí
arduamente, e me levantei depressa, porque né? Eu tinha que correr atrás dos
MEUS planos. Mas eles também não deram certo. Fui atropelada pelos meus pretenciosos
quereres, e meu signo de ar não fincou o chão sob meus pés. Tatuei asas, elas
me carregaram. Voei. Fui longe, mais do
que imaginei, mais do que previ. De repente, na seca típica de agosto em
Brasília, o vento virou mormaço e caí. Me estrepei, meu caderno e apostilas se
misturaram à poeira e meus sonhos foram levados pela brisa que se fez depois do carro que passou
por ali. Sentei na parada de ônibus logo adiante e fui embora com a boca seca e o
coração na mão. Meu semblante era terno, mas por dentro eu gritava
desesperadamente. Ninguém nunca sabe o que se passa aqui, já é normal nem
procurar ajuda nessas horas, não consigo, simplesmente perco a fala, e dano a
discorrer sobre banalidades com um sorriso estampado no rosto. Engulo meus
problemas com a cerveja e os exponho com a fumaça do cigarro. E é assim que eu
vivo e morro todo dia: entre um gole e uma tragada. Diálogo nunca foi uma coisa
fácil na minha vida, vide a minha raiva com os papos da minha mãe, – detalhe que
todas as minhas amigas achavam a atitude dela o máximo – também por isso quebrei
a cara naquele agosto. Eu falo com a escrita, meu coração só se rasga no papel,
não tem jeito. Aquele inverno fez-se inferno no meu mundo. Mudei de ares, mas o
mormaço era o mesmo. Tentei passar 8 horas presa na torre, no 3º andar, num
escritório gelado, na tentativa de refrescar meus ânimos, mas meu coração quase
parou. Parti outra vez. E entre minhas idas e vindas, o nosso amor tava ali,
meio torto, mas tava. Aquele amor passivo, esparramado pela casa, guardado em
caixas do lado da cama, dentro das canecas de chopp roubadas dos barzinhos, dentro
das sacolas de roupas espalhadas pela casa e enfeitado pelo cone da PM que eu
roubei naquele dia de bebedeira. Mas era um amor tranquilo, mesmo com toda a
movimentação ao redor, nos movíamos com o mundo, girávamos 24 horas em torno de
nós mesmos e 365 dias em torno da vida que nos cercava. Um dia de cada vez, uma
ressaca a cada fim de semana, mil beijos antes de dormir. Daí veio agosto
novamente. Roubou a leveza dos nossos dias, jogou longe nossos sonhos, enterrou
as expectativas de reencontro. Agosto sempre me roubando a vida de outros 11
meses, agosto sempre me desconsertando a alma, a cabeça e o coração. Setembro
quando bate à porta me encontra aos prantos, descalça, maquiagem borrada,
felicidade engarrafada, cinzeiro cheio e peito sangrando. Ofereço a outra face,
pra ver se saio dessa fase. Bate que tá pouco, setembro, pisa com vontade e
anestesia essa saudade, saudade de dezembro, janeiro, carnaval e quietude.
Saudade dos 22 completos em maio e de todo o amor que você transbordou em mim
na ocasião. Já sinto o 10º mês chegando, me cobrando a 2ª parcela da separação,
que nem sei que dia vence. O meu pobre sentimentalismo só pergunta quando vence
esse carnê das casas da vida, que espero pagar em dia. Mas calma, outubro, não me
faça cobranças ainda, tenho planos pra você. Novos planos pra enterrar no barro
vermelho de Brasília em agosto do ano que vem.
Somos ciclos que enganam a linha reta, ou uma linha reta presa em um ciclo.
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